Sibipirunas e cigarras
Veja só, eu tenho uma
certa compatibilidade com as cigarras. E não é por aquilo que disse Esopo, La
Fontaine ou a tia da escolinha. É claro que, no fundo, eu queria viver por aí
com o violão debaixo do braço, cantando e importunando formigas. Mas o que
acontece com as cigarras e comigo é que elas me confortam. Quando eu era
criança, não. Eu lembro de uma árvore grande, folhas miúdas e pequenas flores
amarelas (hoje eu sei que se chama sibipiruna), que ficava ao lado de casa, de
frente pra janela da sala. Em determinadas épocas, aquilo parecia um turbilhão
de reco-recos agudos e eu tinha um certo medo, porque, que diabos era aquilo?
De onde saía aquele barulho? Eu nunca tinha visto uma cigarra. Pois bem. Um
dia, vi algo (um corpinho cascudo com asas) imóvel ao lado do sofá. Minha avó
contou: "é uma cigarra - morta". O medo acabou; eu finalmente conheci
uma cigarra (que, para seu azar ou sorte, não pôde me conhecer) e entendi, no
meu pequeno entendimento, que aquilo não era nada além de um inseto que
conversava muito quando vivo. Hoje, quando eu ouço cigarras, fico absorta, como
se eu entrasse em um portal mágico dentro do tronco de uma sibipiruna, que me
levasse direto para um lugar da infância. É bonito isso que eu guardo na memória sonora: isso de inseto, isso de árvore, isso de casa com janela pra rua, de avó que traduz o mundo pra gente, de inseto que acalanta. Cigarra pra mim é um bicho que
transcendeu.
Comentários
Postar um comentário