Aprender com pássaros

Eu era uma criança que tinha um pássaro (além dos cachorros e gatos). Tive alguns, aliás. Desde criado na gaiola até solto no quintal. Minha mãe teve um namorado que criava passarinhos (anos 80, gente), então eu lembro de ter ganhado pelo menos um, que ficava no fundo de casa numa gaiolinha. Uma vez, eu e meu primo, encapetados, resolvemos "dar banho" no passarinho e tacamos água nele. Com a mangueira. Não preciso nem dizer o que aconteceu com o pobrezinho. 

Quando eu era menor, ganhei um patinho, bem amarelinho, uma fofura, de um colega do meu avô. Certo dia levei um tombo e caí onde? Em cima do pato. O coitado quase passou de fase, mas minha avó Guaraci, uma exímia salvadora de pássaros, o salvou (ela já salvou também pardal e, pasmem, beija-flor, que é uma vidinha tão mais delicada que as outras). O pato ficou com um olho roxo, lembro até hoje. Mas depois foi doado, viveu num quintal de terra longe de crianças gordinhas sem muito equilíbrio, cresceu e virou um patão. 

Quando eu era menor ainda, enforquei um pintinho. Exatamente. Isso é minha avó quem conta e me dá até um nó na garganta quando ela fala sobre o assunto. Eu não lembro, mas ela diz que eu meio que esmaguei o bicho "porque ele tava birrando muito". Aquela coisa: tô apertando, ele tá parando de fazer barulho, tá funcionando". Eu nem devia fazer ideia de que aquilo era morrer. Eu não sei de onde ele veio, se foi brinde de pescaria de quermesse ou se foi presente de algum amigo do vô Tonico. Mas sei que não merecia ser calado, muito menos por uma criança que devia "birrar" bem mais que ele.

Eu penso nessas histórias e me dá uma pequena angústia, mas me conforto com o fato de as crianças serem simplesmente crianças.

Hoje, eu tenho dois pássaros tatuados no braço direito e sou uma apaixonada pela poesia do Manoel de Barros. E detesto ver pássaros em gaiolas. Talvez seja uma forma de me redimir. Talvez, um novo olhar que eu tenho para a liberdade. Nem todo mundo sabe lidar bem com asas. A vida é que transforma cada vôo alçado em surpresa e aprendizado. 

Quando eu tiver a sabedoria da minha avó, espero salvar passarinhos, ao invés de apenas tatuá-los e declamá-los.



Arte: Geninne



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