Ir ao supermercado em tempos de pandemia

Ir ao supermercado nunca foi tão tenso/esquisito. Um ato de bravura, uma epopeia. Uma canseira do cão. Tem toda uma estratégia. 

1 - Lista de compras - Comprar o suficiente até dar coragem de ir ao supermercado de novo. F*deu! O dinheiro não vai dar até a próxima encarnação, não. Vai o basicão pra não morrer de fome por uns dias.

2 - Preparação – Focinheira, ops, máscara: ok. Potinho de álcool em gel: ok. Calça comprida: ok. Cabelo preso: ok. Sapato fechado: ok. Perfume: ok (tem que usar, senão vai vencer!). Corretivo e rímel: ok (o único rolê de muita gente tem sido o supermercado. Bóra paquerar uns estranhos - é cada tipo, gzuz - na fila do caixa). 

3 - O carro - Entro no carro. Vou dar partida. Nada. De novo. Nada. A bateria, caceta! Uma semana o carro sem ligar, dá nisso. Adia o mercado pra mais tarde. Bora ver isso. Chego na loja de bateria, o atendente com a máscara cobrindo só o queixo. Respiro, dou três longos passos para trás, passo as informações e espero.

4 – Saída - Problema do carro resolvido. Banho de álcool 70 na parte interna do veículo - se alguém acende um cigarro perto, BUM!!! Já é noite (melhor horário pra ir fazer compras, aliás, porque é quando tem menos gente). Pego a lista de compras, faço todas as preparações do item 2, e sigo. De máscara dentro do carro. Sei lá, né. Vai que o mecânico tava corongado, tirou uma catota e passou, sem querer em algum pedaço no freio de mão em que não passei álcool, e eu ponho a mão e depois pego na minha máscara? Já tô cansada. O vidro fechado. Agora com o frio, tudo bem, mas quando tá aquele calor do hell, é um tal de falta de ar, que, olha... E, uma observação: como que o coronavírus morre com sabão, mas não morre com esse calor de Araçatuba, gente?! Eu fico de cara com esse "micróbio do caralho", como disse o poeta.

5 – Percurso – De olho na turma na rua batendo papo, rindo, com a bocona arreganhada, sem máscara. Dou graças aos deuses por não estar a pé passando por aquela calçada. Outro povo ali passeando, olhando vitrine de loja fechada. Idosos sem máscara na rua. “Ô, véio, põe máscara, carai!” (eu falo isso, mas o vidro está fechado). Um motoboy entregando comida de restaurante em uma residência - ele tá sem máscara! Gente com sacolinhas na mão, andando tranquila. Será que eu fiquei tanto tempo assim em isolamento, o mundo voltou “ao normal”, e eu não fiquei sabendo?

6 – Chegada – Tensão. Procuro no estacionamento uma vaga com menos carros por perto possível. Vai que alguém coloca a mão cheia de coronga no meu carro. Vai que alguém tosse coronga no meu carro! Desço e vou pegar um carrinho. A moça, funcionária, passa um paninho com álcool no puxador (sei lá como chama... deveria ser empurrador, porque é por onde a gente empurra o carrinho... enfim...). Não contente, ao passar pelo pote de álcool em gel na porta, besunto minhas mãos e o “puxador” do carrinho. Será que esse álcool é mesmo 70? Respiro. Adentro o supermercado um pouco mais aliviada – acho que o cheiro do álcool tá batendo.

7 – As compras – Eu nunca fui tão ligeira dentro do supermercado. Sabe aquelas “gincanas” que a galera fazia, colocava o povo dentro de uma loja e o povo tinha 1 minuto pra sair catando tudo o que via pela frente? Eu me sinto em uma dessas. Mas com moderação, porque eu não vou ganhar os produtos que eu pegar.

8 – As pessoas – Corredor de mercado não é algo muito espaçoso. Então, é aquele contorcionismo pra não esbarrar em ninguém. Gente. Não esbarra. Fica longe. Tiozinhos, os senhores podem parar de falar abobrinha em frente a banca de legumes, que eu quero pegar batatas? Obrigada. Se alguém esbarra? Álcool em gel. Em mim e na pessoa que esbarrou.

9 – A fila – Confiro a lista. Só faltou a uva - vi uma mulher "experimentando" as uvas e remexendo em todas; não deu coragem de pegar. Paciência. Vou pra fila do caixa. Tem demarcação no chão e eu respeito a minha. E fico só esperando pra ver se o de trás tá respeitando a marca. Deu um passo pra frente da marca? Olho pro chão e olho feio pra cara da pessoa (tem funcionado). Aí, sem muito o que fazer e cansada de olhar pro celular, observo as pessoas. Uma coça o nariz por cima da máscara. O outro puxa a máscara de enfia o dedo na boca. A outra puxa a máscara pra baixo pra falar com a filha.  Posso "desver" isso? Melhor voltar pro celular.

10 – O pagamento e a partida – Minha vez. O/a operador(a) de caixa que passa álcool no balcão assim que muda de cliente tem minha eterna admiração. Mas sou simpática com todos. Afinal, a pessoa tá ali trabalhando, exposta a centenas de pessoas por dia, pra que não nos faltem mantimentos. Ai, meu Deus, a pessoa tá exposta a centenas de pessoas... Melhor não pensar. Passo as compras, pago, dou boa noite e tchau! Coloco as compras no carro - cansada, cansada, quero minha mãe. Mais álcool na mão. Entro no carro e sigo pra casa.

11 -  Chegada em casa - Chego mole. Não sei se é a tensão que baixou, se é só cansaço, se é barato do álcool pelo cheiro e pelos poros... Sinto uma melancolia. Me dói o peito, uma sensação ruim. Raiva também. O que é isso, meu Deus? Lembrei que ainda preciso lavar e limpar tudo o que comprei.

12 – Entrada em casa - Tiro o sapato, jogo perto do portão (depois, água sanitária nele!). Tiro a roupa na garagem mesmo, levo lá no fundo, na máquina de lavar. Tiro a máscara, boto de molho na água sanitária. Pego o balde, o pano e o rodo. Vou na cozinha, passo um pano com água sanitária no chão. Vou até a sala, pego o borrifador com álcool 70 na “mesinha do corona” (não tem uma “mesinha do corona” na porta de entrada da sua casa? Ta fazendo errado!). Volto, vou tirando as compras do carro e borrifando álcool nas sacola tudo por fora. Coloco tudo no chão da cozinha. Pausa. E agora, primeiro dou banho em mim ou nos produtos? Em mim. Busco a toalha no quarto, ouço barulho na cozinha, a cachorra mexendo nas sacolas. Comeu as 200g de muçarela em 1 minuto. Carai, eu ia jantar lanche! Dou um berro com a cachorra, ponho pra fora. Tomo meu banho relaxante... Ahhh, que gostoso. Pronta para a próxima batalha.

13 – Limpar os produtos – Banho tomado. Vamo lá. Hummm... Ouvi dizer que era preciso usar máscara na hora de lavar as compras. Inferno. Inferno! Pego o celular. Vou buscar notícias sobre. É fake. Féladaputa! Respiro e vou. Separo o que é de lavar, e o que é de limpar com paninho e álcool. O que é de lavar vai pra dentro da pia. E lá se vão 1h30 nessa função, ensaboando, enxaguando e secando; limpando com álcool e tal. Tô morta. Já passou da meia-noite. Tô com fome. Não tenho muçarela pra fazer meu lanche. Como Passatempo recheada e bebo Coca-cola. Muito saudável. Não dou conta de guardar as compras. Deixo o que é possível em cima do balcão do armário. Amanhã de manhã eu guardo. Vou me deitar, exausta. Morrida. Falecida.

14 -  O dia seguinte – Acordo. Escovo os dentes. Vou fazer meu café. Olho pro armário. Um desânimo. Vou guardar as coisas. Quando vou pegar o pacote de farinha, dou um mini grito e um pulo para trás. Um filhote imenso de Satanás. Uma alienígena radioativa de perna peluda. Uma insensível e inconsequente BARATA. Uma barata passeou a noite toda nas embalagens em cima do armário. Acho até que fez um rolezão com a turma, que foi pro esgoto mais cedo e só ela ficou ali na esbórnia. Cretina! Quero choraaaar. Vontade de tacar fogo em tudo. Foda-se. Tento dar uma paulada com o tubo de papel alumínio. Não acerto, a bicha foge. Limpar tudo de novo? O cu! Borrifo álcool em cima e guardo. Chega dessa palhaçada. Barata BFF do corona. Respiro. Faço e tomo meu café, como meu pão com manteiga. Não quero ir ao mercado nunca mais!

Comentários

Postagens mais visitadas