A partida da Inezita

(Esse texto foi escrito em 2015, quando Inezita Barroso partiu pra outro plano.)



Não vou dizer que, quando eu era criança, ficava paralisada de fascinação em frente à TV quando rolava o "Viola, Minha Viola". Quando adolescente, então, achava bem bobo, olhava torto, afinal, o que era aquela velha cantando que tomou pinga (pensava eu)? É, eu não tenho memórias afetivas da infância em relação à Inezita. 

A admiração veio mais tarde, quando eu finalmente entendi que ela era uma mulher à frente de seu tempo e que a cultura caipira fazia parte das minhas raízes de verdade. Posso dizer que veio pra valer depois que entrei na faculdade. Pessoas como Rosangela Marçolla ("fessora") e o pesquisador Joseph Luyten (em memória) e coisas como a folkcomunicação do Luiz Beltrão me ajudaram a compreender um pouco da coisa toda. 

Puxar o erre, gostar de doce de mamão e de abóbora, colocar pra tocar às vezes o disco do Tião Carreiro que foi do meu avô, ter na memória auditiva o som das cigarras da grande árvore ao lado de casa e ter uma sensação de transcendência ao ver/ouvir de perto uma folia de reis são apenas indícios de uma caipirice da qual eu não me envergonho hoje.

Não vou mentir, dizer que passaria mais de uma semana num sítio ou fazenda, feliz da vida. Eu gosto da cidade. Sou do tipo "caipira urbana". Mas a vontade que eu sinto às vezes de estar num lugar assim, é verdadeira. A vontade de desintoxicar a mente, o corpo e a alma. Purificar o peito um pouco, fugir do avesso...

Quando alguém como Inezita morre, a inevitável transição cultural e social fica mais evidente. Porque a gente vai vivendo, as coisas vão mudando, mas ficam em segundo plano. Aí, é nessa hora que cai a ficha, saca? Pra onde estamos indo? O que vai nos restar? Quais valores vão interferir na arte lá na frente e o que vai nos tocar daqui a 90 anos? Certamente, vai ter algum outro tipo de ícone, que vai partir e provocar os mesmos questionamentos... Espero pelo menos que, daqui a 90 anos, ainda tenhamos a capacidade de questionar.

Inezita, vai lá, que você já fez bastante por todos nós! A vida é isso. :)

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